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Geral
06/05/2011 | 10:27

Descaso da comunidade compromete a navegabilidade e preservação do Rio Itajaí-Açu

Mais de mil metros cúbicos de resíduos sólidos foram retirados do fundo do rio Itajaí-Açu pela draga Charles Darwin em pouco mais de um mês de serviços. O volume retirado no período seria suficiente para cobrir um campo de futebol de entulhos. Entre os resíduos estão grande quantidade de pneus, redes de pesca, ferragens, entulhos da construção civil, além de fogões, geladeiras, móveis, entre outros eletrodomésticos e utensílios de casa descartados pela comunidade no rio. Após a segregação dos resíduos dragados eles são depositados em contêineres e transferidos para aterros industriais licenciados pelos órgãos ambientais. O procedimento é acompanhado pela Agência Nacional da Vigilância Sanitária (Anvisa) e Gerência de Meio Ambiente da Superintendência do Porto de Itajaí (Geamb).

 


A dragagem do Complexo Portuário do Itajaí teve início em março deste ano e deve seguir até junho. Os serviços preveem a retirada de 6,2 milhões de metros cúbicos de sedimentos, o que vai resultar no aprofundamento do canal interno e bacia de evolução de 1
0,5 metros para 14 metros e, do canal externo, de 11,3 metros para 14,5 metros. Os investimentos nos serviços, em recursos da União – do Programa Nacional de Dragagem (PND) –, somam R$ 55 milhões.

 


Analisando os sedimentos recolhidos nos canais e bacia de evolução do Complexo, o diretor da empresa Jan de Nul no Brasil, Mick Formesyn, disse que jamais viu realidade semelhante. “Em outros países não existe a cultura de se descartar objetos jogando-os nos rios. Já no Brasil, dragando outros portos, chegamos a encontrar alguma coisa, como no Rio de Janeiro, por exemplo, mas nada se compara aos volumes encontrados em Itajaí”, afirma Formesyn.

 


O oceanógrafo e professor do Centro de Ciências da Terra e Mar (CTTMar), da Universidade do Vale do Itajaí (Univali), Charrid Resgala, explica que o descarte de resíduos no rio apresenta problemas tanto para a navegação, como ambiental. “Pode criar obstáculos para a navegação, bem como, mesmo que seja um resíduo inerte, sem contaminantes, gerar alterações na estrutura do fundo e interferir na fauna local”, explica o especialista. Já no casos dos objetos com potencial de liberar contaminantes, segundo Resgala, os impactos são bem mais sérios.

 


Para o biólogo Gabriel Fiorda Guarnieri, qualquer alteração antrópica na dinâmica dos cursos d’água, em especial nas regiões de foz são extremamente impactantes. “Quando o assunto é o descarte de resíduos sólidos nos rios, podemos citar como impactos ao meio físico o acúmulo de toxinas, a aceleração do processo de assoreamento, alteração nas propriedades químicas da água, até mudanças na dinâmica hídrica, como bancos de areia, alteração das correntes e canais de refluxo”, explica.

 


Guarnieri diz ainda que os impactos da má gestão dos resíduos sólidos e seus efeitos nos cursos d’água afetam toda extensão do rio, não só a região de Itajaí e Navegantes. “Como final de curso, a região de foz do rio Itajaí-Açu acumula toda a problemática causada pelo gerenciamento inadequado rio acima. Porém, impactos como assoreamento, potabilidade da água, represamento das águas, problemas de captação de água para consumo e efeitos significativos na disponibilidade de alimento, por exemplo, são sentidos por toda extensão da bacia hidrográfica”, complementa.

 


O especialista vai além, afirmando que o descarte de sedimentos sólidos nos rios contribui, e muito, para os efeitos do represamento das águas e, consequentemente, agravamento das enchentes. “Com a região da foz recebendo cada vez mais sedimentos e resíduos, o rio não consegue dar continuidade na dinâmica natural de reciclagem de sedimentos e o aumento da vazão nas épocas de chuva de toda a região do Vale acaba por invadir as regiões de margem. Esse efeito negativo é cumulativo, ou seja, com a passagem do tempo a tendência é termos cada vez mais eventos de enchente e com consequências ainda mais amplas”, alerta.

 


Resgala concorda com a afirmação de Guarnieri. Ele diz que não se sabe ao certo o impacto que isso possa gerar nas enchentes ocorridas com frequência nos municípios do Vale do Itajaí. “Na Univali estão sendo realizados estudos de modelagem da circulação do rio que poderão melhor explicar o comportamento das águas, mas esta hipótese nunca foi levantada. Agora, se considerarmos que o depósito exagerado de resíduos em seu leito for mantido, a diminuição do calado do rio pode sim contribuir para um maior espalhamento das águas em condições de altas precipitações”, afirma.

 


Com relação à fauna e flora aquática, segundo os especialistas, os impactos são ainda mais alarmantes. Ele diz que os resíduos depositados no rio afetam diretamente a cadeia alimentar dos animais e as alterações químicas na água podem prejudicar as algas e pequenos crustáceos que servem de base para toda ecologia aquática.
O superintendente do Porto de Itajaí, Antonio Ayres dos Santos Júnior, destaca que o Porto está fazendo sua parte, ou seja, não polui o rio, limpa o rio e as praias e ainda desenvolve campanhas de conscientização com relação a não utilização do rio Itajaí Açu como depósito de lixo.

 

 

Fator cultural é preocupante

 

 

A afirmação de Mick Fomersyn, de que essa realidade encontrada em Itajaí não existe em outros países, é confirmada pelos especialistas. “No Brasil é comum a ideia de que o rio tudo leva, passando o problema para outro. Mas é uma cultura em mudança rápida, pois as novas gerações já não veem com bons olhos a falta de visão ambiental de nossos pais e avôs”, explica o oceanógrafo Charrid Resgala. Segundo o professor, á décadas se tem a ideia de que a disposição de resíduos no rio serviria para duas coisas: se livrar de um problema e oculta-lo.

 


“O compromisso da nova geração é mudar este tipo de pensamento. Todos somos responsáveis pelos problemas ambientais e as mudanças começam em casa, para então apresentar comportamento adequado na sociedade. A educação ambiental é fundamental neste aspecto, mudar ou apresentar uma consciência ambiental responsável”, explica.

 


O biólogo Gabriel Guarnieri diz que o Brasil possui uma oferta hídrica imensa, com inúmeras regiões habitadas próximas aos cursos d’água e foz de rios. “O gerenciamento dos resíduos deveria ser um processo de base na política pública de infraestrutura urbana. Porém, o que vemos é muita ineficiência e demandas extremamente inoperacionalizadas”, afirma. Nesse contexto, diz o biólogo, “os rios acabam sendo depósitos de resíduos e, muitas vezes, de forma indiscriminada.”

 


Guarnieri acredita que o país caminha para mudanças neste cenário, porém, muito esforço ainda é necessário. Já Resgala diz que a questão é cultural. “Nos países mais desenvolvidos, como eles já passaram por isto a mais de 20 anos atrás, o descarte de resíduos é mais controlado, podendo determinar multas pesadas aos infratores, além da consciência ambiental estar mais avançada”, acrescenta.

 

Preocupação com o meio ambiente

 

A Autoridade Portuária de Itajaí vem fazendo a lição de casa. Com a criação de sua Gerência de Meio Ambiente, a Superintendência do Porto de Itajaí desenvolve um amplo programa de gerenciamento ambiental, em parceria com a Univali e com a participação da Fundação do Meio Ambiente de Santa Catarina (Fatma). O objetivo é impedir que a atividade portuária impacte no meio ambiente.

 


“Além dos programas e do monitoramento ambiental que desenvolvemos, projetos específicos são mantidos de acordo com a necessidade, a exemplo do monitoramento de todos os serviços de dragagem, para garantir o menor impacto ambiental possível, temos outros programas para garantir a limpeza do nosso rio e também de nossas praias, inclusive, o Porto de Itajaí mantém um contrato para limpar eventual sujeira que possa surgir nas praias ”, diz o superintendente Antonio Ayres.

 


O engenheiro ambiental e gerente de Meio Ambiente do Porto de Itajaí, Marcello Decicco Kuhn, informa que o Porto de Itajaí desenvolve os programas de Monitoramento da Qualidade das Águas e dos Sedimentos, Monitoramento da Biota Aquática, Controle Ambiental da Atividade de Dragagem, Gerenciamento dos Resíduos Gerados pela Obra de Dragagem, Acompanhamento do Volume Dragado Através de Levantamentos Batimétricos e Programa de Monitoramento dos Níveis de Ruído Subaquático e o Programa de Medição das Mudanças de Cota nas Áreas de Bota-Fora e Monitoramento do Clima de Ondas e da Dinâmica Praial. “Também temos os programas de Comunicação Social e de Educação Ambiental, Monitoramento da Dispersão da Pluma de Sedimentos e Monitoramento da Pesca Artesanal no Baixo Estuário do Rio Itajaí-Açu e Área Costeira Adjacente em andamento, com excelentes resultados”, afirma Decicco.
Segundo o professor Charrid Resgala, programas de orientação e monitoramento são fundamentais. “Como sempre é destacado nos estudos de poluição e de impacto ambiental, não basta simplesmente limpar um local ou ambiente, é preciso, antes de tudo parar de introduzir mais resíduos, eliminando as fontes, buscar alternativas, informar melhor a população, popularizar o acesso a este conhecimento, destacar sua importância e oferecer facilidades a coleta seletiva e reciclagem nas principais fontes produtoras de resíduos.”

 


Na opinião de Ayres, o Porto de Itajaí está fazendo a sua parte, evitando o impacto ao meio ambiente, garantindo a sustentabilidade do Rio Itajaí-Açu e desenvolvendo programas de educação ambiental, bem como a Secretaria de Portos da Presidência da República, que tem feito pesados investimentos em dragagem no Complexo Portuário do Itajaí. “Mas é fundamental que a comunidade também faça a sua parte, dando a destinação adequada aos resíduos sólidos e nos ajudando a cuidar do rio, que hoje é a fonte de nossa riqueza. Não adianta dragarmos e aumentarmos a vazão do rio se a população continuar a descartar resíduos sólidos e não proteger as margens do rio, o que provoca sua erosão e conseqüente assoreamento dos nossos canais de acesso e bacia de evolução”, afirma Ayres.
Segundo o superintendente, a Autoridade Portuária faz o seu trabalho, garantindo a limpeza do rio e das praias. “Temos plena consciência de que estamos fazendo nosso dever de casa, mas também não admitimos que transformem nosso rio na fossa do Vale”, conclui Ayres.


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